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Uma pessoa tranquila. Que gosta de passear, de música, do dia, da noite, do pôr do Sol. Que vê a vida como uma jornada que vale a pena, e que procura fazer sua parte por um mundo cada vez melhor.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

57 - Sono Negro (Obrigado. Estou de volta)



Sono Negro

Entrar em um hospital com vistas a uma cirurgia é um processo “tenso” de entrega da própria liberdade, do próprio corpo, da própria vida. Um processo em que se sabe que coisas lhe irão acontecer, acontecer ao seu corpo, independente de sua vontade.
Por que um tenso entre aspas? Eu diria por ser um tenso que nem todos sentem, experimentam, irão experimentar (ainda bem); somente quem já passou por uma cirurgia, por uma internação, e que tenha de passar de, novo, haverá de saber do que estou falando. Área esta que eu conheço bem, muito bem, depois de inúmeras passagens semelhantes.
Tudo começa com uma consulta em que se fala da necessidade de procedimentos, dias que passam  à aproximar a data bendita inevitável, dias que ocorrem diferentes dos da maioria.
No filme Matrix (maravilhoso filme) os autores apresentam realidades diferentes para a mesma situação como que se vivêssemos em mundos diferentes apesar de todos juntos, e é uma verdade. É como eu vejo o mundo: Cada pessoa um pensamento, uma necessidade, um olhar. Cada uma um mundo.
Não se precisa ir longe, nem se procurar nada. Basta observar.
Outro dia, ao estar em um ônibus, coloquei-me de forma não convencional, de frente aos olhares. Olhares meio que retirados (cada um na sua), feições turras não acessíveis, na defensiva diante de um mundo que muito parece apresentar mais realidades de percas do que de ganhos, de sabidos e espertos a quererem se aproveitar de nós do que quererem o nosso bem (o que não deixa de ser verdade), e que por causa disso nos incrustamos, não sorrimos (se não com os nossos), não nos expomos, pelo contrário, vivemos a nos defender.
E o que o ônibus tem a ver com hospital? (rsrs)
Tem a ver a partir do momento que se observa em instantes iguais pessoas, perspectivas, mundos diferentes.
Hoje, vendo uma reportagem, a empregada doméstica a falar do como sai (ainda escuro) de casa e volta (quando escuro) pra casa. Que mundo é este, o dela, a cuidar dos filhos (de outros) enquanto os dela...? Como uma pessoa se contenta com esse mundo, o mundo dela, será que ela é contente com ele? Quantos pensamentos, quantas necessidades uma pessoa dessa tem? Tem sonhos? Quantas necessidades todos nós temos? E nossos sonhos?
A tensão de uma cirurgia (para mim) é algo como a observar pessoas divididas em grupos: Umas são saudáveis, praticam sua liberdade sem saber o quão privilegiadas são por serem livres e terem saúde, não sabem o que têm nas mãos. Vivem sem saber porque vivem, às vezes, basicamente, apenas para o trabalho e obrigações, sem saberem que são felizes por terem dádivas (vida, liberdade, saúde...), e a não trazerem para si benesses como sorriso, alegria, gratidão, reconhecimento, vão passando pela vida até um dia perguntarem: O que eu fiz? Quem eu fui? E minha vida? Conheci o amor? E meus filhos que nem vi crescerem?
Em minha concepção de mundos diferentes vejo estas pessoas e me vejo.
Vejo um homem a experimentar sensações, momentos, experiências que muitos nunca experimentarão (e que nem sabem o quão felizes são por isso).
Vejo um mundo dividido em mundos onde até a luz do Sol brilha diferente para cada um; um mundo de egoísmo para uns a quererem enganar outros (como se se dar bem às custas de outros fosse a solução para suas vidas); um mundo de luta onde uns entregam toda sua energia, tempo, vida, em detrimento de suas próprias vidas, por causa do que lhes julgam necessário, afastando-se, demasiadamente, dos que amam, de seus próprios mundos; um mundo de pessoas de bem também (ainda bem – rsrs); um mundo de mundos.
Não há como não me sentir diferente diante da ótica de mundo que tenho.
Não há como não olhar paras as pessoas, observá-las, aprendê-las, aprender com elas, estar inserido em contexto diferente, um contexto em que eu também tenho meu mundo, um mundo sensível. Sensível de  sentir, de ver, de achar que vê de uma forma como muitos não andam vendo (talvez nunca o façam). Um mundo como qualquer outro – cada um no seu.
Mas, nesse meu, encontro diferenças que me chamam a atenção, muita a atenção, com vistas ao meu melhor. Algo que, de repente, não vejo em todos os olhares onde, mesmo que queiram o melhor para si, muitos parecem descrentes, apagados, desesperançados. Acho que é meio diferente um ser ver como vejo e tendo passado pelo que já passei. No mínimo diferente.
Se submeter a uma cirurgia é algo como se entregar, se submeter (literalmente). Submeter-se à vontade de outros, ações de outros a fazerem contigo independente de sua vontade. Estamos lá por vontade própria, por certo, mas, independente de sua vontade a partir do momento que você vê lhe fazerem, você, simplesmente, tendo de aceitar.
Sua liberdade/vontade começa a acabar, literalmente, quando ao chegar ao hospital depois de dias de expectativa, espera, tensão. Inevitável.
Ao chegar, depois de trâmites, convidam-no a entregar-lhes (isso mesmo), em entregar-lhes seu braço direito. Colocar aquela pulseira é o primeiro passo para a perda de sua liberdade/autonomia.
A partir daquele momento o domínio de si mesmo já não é mais seu. Seus momentos próximos são uma sucessão de ordens, uma sucessão de respostas suas a uma sucessão de comandos com os quais você nem sempre concorda, mas, que tem de aceitar acreditando terem sidos pensados e determinados por autoridades, que preferimos pensar, sabem o que fazem.
Desta vez, neste meu momento de vida, momento de conversas e palavras, quero deixar aqui, agora, esta minha impressão, experiência, algo de repente à reflexão, ao apresentar de uma visão/realidade com vistas, assim como tudo por aqui, enriquecimento de nossas próprias realidades, sempre com vistas ao nosso melhor.
Um pensamento que me ocorreu enquanto internado, sendo tratado, foi quanto ao quanto é bom sermos bem tratados, termos por nós especialistas, procedimentos, ações a quererem o nosso melhor, a nossa saúde, muito bom mesmo. Nessa hora um misto de felicidade e realidade onde, como sabemos, nem todos têm suas necessidades atendidas a contento sempre, infelizmente. Um misto de agradecimento ao mesmo tempo de tristeza diante de uma realidade em que, como sabemos, muitos morrem sem as devidas assistências. Novamente a questão quanto a realidade de cada um, o como cada um pode estar feliz ou não em seu mundo, o quanto muitos nunca terão suas necessidades, devidamente, atendidas, e o como, de repente, uma pessoa chegará ao final de sua jornada olhando para trás satisfeito ou não com o que foi, com o que lhes foi a vida. O fato é que fiquei muito feliz julgando-me assistenciado, sendo tratado como, no mínimo, todos deveríamos ser: com dignidade.
A sequência da pulseira no braço é a internação, a entrega de suas próprias roupas, vestir camisola, ser recebido no centro cirúrgico, havendo sido transportado em cima de uma maca.
Nessa hora, ainda são (ainda lúcido), trânsito de maca e carrinho da faxina; olhando para trás enquanto carregam-me, vejo uma quase batida (rsrs). Como no trânsito onde às vezes freamos e o de trás nem sempre consegue parar (rsrs), meus pés descalços quase como pára-choques traseiros. Achei engraçado.
Nessa hora, um dos poucos momentos de humanidade. Aqui a primeira crítica: Não por sermos profissionais que devemos ser não humanos. Eu mesmo trabalho com papéis, mas, há muito percebi que o papéis que trato são vida. São vidas diversas querendo ser atendidas em suas necessidades. Necessidades que me chegam às mãos para que eu seja solução, e não entrave, reclamação, mal-grado.
Não acho, não creio que ambientes, trabalhos, “correrias” possam ser tais que não caibam respeito, educação, consideração, boa-vontade, sorriso. Não creio mesmo.
Um hospital, por si, já é um mundo frio. Um mundo de sofrimento e expectativa, de obrigação por quem se propõe a fazer (e nem sempre faz ou consegue fazer) o melhor, um mundo de esperança (o paciente) que não por outro motivo já tem esse nome, já tem de ser paciente. Paciente que quer cura, que debilitado, assustado, muitas vezes sentir-se-ia melhor se mais, humanamente, tratado.
Em minha opinião, temos de olhar sempre além, procurar ver em que estamos errando e procuramos fazer, ser sempre o melhor, não só por nós, mas, também em prol dos outros. E isso é uma constante, é uma premissa, uma forma de ver, de acontecer nas vidas que de nós, de alguma forma, precisam e por quem, para quem procuremos ser exemplos a ser perpetuados, reproduzidos, até copiados em busca de um sempre melhor mundo, de uma sempre melhor realidade para todos nós.
Deixar de fazer o bem, deixar de fazer o melhor possível em prol de outrem é perder uma chance de um sorriso, de uma melhora de vida, é deixar de ser o que Ele quer que sejamos. Não concordo com o descontar em outros o que acho que devo descontar, o que não fizeram por mim..., não concordo.
Ainda mais quanto à área de humanas (hospitais, vidas, atendentes, médicos, professores..., etc). Vejo empáfia em pessoas (especialistas) por terem títulos, parecendo julgarem-se diferentes, especiais. Concordo com isso não.
Chegada ao centro cirúrgico (um dos raros momentos de descontração), a enfermeira que veio me receber e me ajudar a passar de uma maca para outra elogia o “meu vestido” (rsrs). Diz que fiquei bem nele.
- Bonito e confortável (digo eu – rsrs). Tô pensando até em copiá-lo e me vestir no dia-a-dia desse jeito. (rsrs) – Todos riem.
O centro cirúrgico é um mundo.
Paredes beges como que a querer não perpetuar o branco frio do teto, como que a querer trazer (sem sucesso) um pouco leveza, de alegria ao ambiente.
Pessoas em macas, umas dos lados das outras, como carros estacionados. Pessoas de todos os jeitos (novas, de idade, magras, de cor, crianças...), mas, todas com uma única característica em comum: todas caladas.
Um calado sepulcral. Um calado triste e, no meu caso, tenso.
Tenso, eu diria, mais que para muitos ali, pois muitos ali não sabiam o que lhes esperava. Eu sabia.
Ao meu lado um rapizinho (onze anos talvez). Vi-me nele.
Vi minha empreitada nele. Minha vida de luta em busca de minha cura.
O que será que ele estava fazendo, de que iria ser operado? Deu vontade de perguntar para a mãe (a única acompanhante com permissão de ficar ali).
Nada perguntei. No íntimo a vontade de que ele tivesse sucesso, tivesse uma vida de saúde e progresso, e que fosse aquela a última vez dele por aquele tipo de ambiente.
São oito da manhã.
Dessa vez eu sabia, eu querer iria memorizar o máximo de tudo.
Tinha um projeto. Tinha a vontade de escrever e deixar minha impressão aqui.
São oito da manhã, depois de ter chegado à 6:40 (conforme ordenado), depois de se haverem passados alguns meses da segunda e última cirurgia desse ano que ainda terá mais umas duas ou três. São oito da manhã depois de dias de tensão e tristeza por ter de passar mais uma vez por isso, por saber que irei sofrer, por saber de ter de me expor a situações que eu não gostaria de me expor.
São oito da manhã e eu, um paciente profissional, mais uma vez em um centro cirúrgico. Meio chato isso. Paciência.
Paciência e Fé.
Fé em um mundo cada vez melhor, em humanos cada vez mais humanos, em minha saúde para que ela se estabilize e eu tenha uma vida com o menos sofrimento possível.
Fé. Eis a questão, eis a palavra. Senão nem sei.
Não sei mesmo.
O tempo que se segue até a cirurgia (começaria às 09:20) são os mais difíceis. Coração na boca, tempo a passar, pessoas (e “meu médico”) a passarem como se não nos enxergassem, como se não existíssemos. Nenhuma palavra de simpatia, por educação, para diminuir nossa aflição, para amenizar nossa angústia.
Um mundo de pessoas azuis. Homens e mulheres azuis de um lado para o outro a conversarem entre si e a ignorar-nos, apenas se chegando a nós quando chegada a nossa vez, a levar-nos um a um para um destino a nós não sabido, esperado, mas, não sabido.
Um a um nós nos vamos, o estacionamento (rsrs) se esvazia.
Meu nervosismo a revezar agora com uma certa vontade de uma certa sonolência, de um cochilo. Como seria bom não ver esse momento.
Como seria bom dormir e só acordar depois de tudo.
Aqui uma segunda crítica: Que não nos ignorassem tanto, não nos deixassem tanto ali, assim, a esperar; que se imbuíssem de nosso nervosismo e procurassem ver se da necessidade de algo calmante para quem precisasse (eu).
Nessa hora um ar de graça.
A morena que me recebeu é das únicas com desenhos de flores. Ao contrário das da maioria (branca) a touca dela é vermelha; um timbre de alegria, de cor, de vida em um meio de sem gracices.
Chega minha vez.
- Jeff?
Levanto a mão concordando e... me levam.
Novo ambiente, nova maca (ou melhor, dessa vez uma cama). Uma cama estreita embaixo de um enorme prato luminoso.
Nessa hora é que minha vontade já não tem importância mesmo.
Um a me ajeitar na cama, outro a amarrar meu braço direito, outro agarrar-me o esquerdo. Colocam-me em forma de cruz (sinto-me, literalmente, crucificado).
- Abro a blusa dele ou deixo? – Pergunta a mesma morena de touca vermelha que me recebera e brincara com meu “vestido”.
- Abre.
Ela abre e, como para descontrair, comenta:
- É o Tony Ramos!! – Acaricia-me o peito peludo a exclamar:
- Maravilhoso!
Todos riem, eu sorrio, ela pergunta:
- Não depilas?
- Nem que eu morra só (rsrs). Todos riem.
- O que faço? Pergunta ela com a mão em meu peito.
- Não tira a mão daí (rsrs) – respondo.
Todos riem enquanto uns falam de um clima de romance surgido (rsrs).
Ela completa:
- Morena bonita, carinhosa, e flamenguista. (rsrs)
- Então é comigo mesmo. Respondo brincando (sou flamenguista).
Todos riem falando do futuro provável, fantasioso, casamento. (rsrs)
Logo, a realidade.
Alguém a espetar-me o braço esquerdo como que a trazer-me para a realidade. Uma realidade onde eu não queria estar.
O soro gelado, aberto no máximo, a invadir-me parecendo congelar-me de dentro pra fora. Em meu pensamento o pedido desesperado:
- Diminuam logo isso, por favor.
Alguém ouviu, graças a Deus, alguém diminui o gotejamento e o coração parece, inutilmente, querer voltar ao normal.
Eu criticaria também esse momento; por mais profissionais que todos ali eram, acho que caberia um pouco mais de calma, de humanidade mesmo.
Dois outros erros antes de eu apagar:
O primeiro (e que eu não concordo de jeito nenhum), alguém pergunta:
- Bisturi? Vai precisar de bisturi?
- Não. – Alguém responde, pra meu alívio.
Alívio entre aspas, pois apesar de ser uma cirurgia endoscópica (canudos através da boca), ainda assim, sofro (e muito), e o pior em minha opinião é a forma, posição em que deixam minha cabeça e que, por causa disso, me machucam e muito. Não concordo. Fico pensando como ser possível nunca terem achado que desse jeito é errado e como machucam o paciente com esse procedimento. Uma pequena alteração já seria a solução. Eu vejo. Eles não. E o mundo continua e eu me fodo. Paciência. Eu é que sou o paciente mesmo.
O segundo erro foi cruel. PQP!! Maiúsculo messsmooo...
A bendita da anestesia, eu já sabia, é muito doída. Muito mesmo.
Teriam de ministrar aos poucos. Teriam.
Adivinha.
- Fulano!! Você soltou tudo de uma vez?! Faz isso não.
E eu grito enquanto me contorço, enquanto me seguram, enquanto assistem meu sofrer sem nada poderem fazer, sem nada fazerem.
Em meus pensamentos eu suplico: - Alguém, por favor, arranque meu braço esquerdo, arranque.
É preferível do que sentir a dor que eu senti.
Alguém fala:
- Calma. Vai passar.
E eu grito, dessa vez não aguentei:
- Caral...o!!! – Bem grande mesmo, bem contorcido, bem suado, sofrido. Quanta dor.
Quanta dor.
Apago.
Sono negro.
Quarenta minutos em três.
Como eu estava querendo mesmo registrar tudo isso aqui, durmo mentalizando a vontade de perguntar as horas quando eu voltar. É o que faço.
Apesar de estar com a boca, os dentes, a garganta, completamente, machucados e doídos, apesar de grogue, volto perguntando (para a surpresa dos presentes):
- Quantas horas.
- Dez horas. – responde a “minha noiva” de touca vermelha.
Quarenta minutos se passaram.
Se passaram como que em três, muito rápido.
Um sono diferente, não revigorante, não descansado, um sono sem sonho, apenas um longo túnel escuro. Nada mais.
Uma mancha escura, muito esquisito, sem prazer, diferente. Muito diferente.
A mesma morena que elogiara-me os peitos é a mesma que agora (apesar de eu dizer que nunca faria depilação), é a mesma que agora arranca os eletrodos de meus peitos com toda a força, e com todos os meus pobres fiozinhos de pelos brancos.
- Não quero mais casar com você, não (rsrs) – penso com meus botões.
Mas que botões? Nem os tenho. Estou, praticamente, nu.
Nu e cheio de dores.
A morena se oferece para me ajudar a passar da cama para a maca, para poder ir embora. Deixo não. (continuo com raiva dela (rsrs). Brincadeira)
E ela me elogia mais uma vez:
- É macho mesmo. (elogiando o fato de eu já “refeito” a me passar sozinho)
Leva-me.
Despedimo-nos.
Sofro.
Que dores infelizes.
Mas, no íntimo, a felicidade de ser experiente.
Eu já sabia que ia passar por isso. Já tinha preparado meu consciente para exigir meus direitos (se eu tivesse algum, claro (rsrs)).
Um enfermeiro se aproxima:
- Como o senhor está?
- Dor. – respondo.
- Dor? De um a dez. – pergunta-me ele.
E eu respondo:
- Analgésico.
Graças a Deus, ele me responde, complacente:
- Espere um pouco.
Ah! E outra coisa: Quando eu falo de dor, eu só tinha falado da dor nos dentes, na boca e na garganta (por causa da barbeiragem quanto à sonda), masss..., não esqueçamos a dor da cirurgia em si. Meu objetivo aqui hoje era, é, e aconteceu, uma cirurgia (mesmo que pequena) no aparelho digestivo.
Estou aqui agora, numa espécie de sala de recuperação pós-cirúrgica, antes de ir para o quarto pernoitar e, somente, amanhã ir embora.
Barriga pra cima, quieto como falaram para eu ficar, sofrimento à zói (rsrs – gíria carioca (acho)), agoraaa..., pensa no gato em pé dentro do meu estômago a arranhar-me de dentro pra fora querendo nascer por baixo de minhas costelas. Pensa numa dor. Do caramba, mesmo.
Encararia a situação sem remédios se fosse o jeito. Ainda bem que não foi o caso.
- Que analgésico é esse? – Perguntei.
Meu temor era quanto à Novalgina. Pensa num trem ruim! Pode até ter um efeito bom, mas, quando da aplicação a bendita entra gelada e rasgando (no caso, que era o caso, quando venosa). Com temor que fosse sofrer mais ainda, perguntei, e ele respondeu:
- Morfina.
Morfina?! Perguntei, mentalmente, pra mim mesmo. Gostei da notícia. Falei, temendo:
- Aplica devagar, por favor.
Pra meu alívio, o enfermeiro foi muito solícito, a droga bastante confortável (na hora da aplicação – diferentérrima da Novalgina), e de efeito... humm.... que efeito. Pela enézima vez nesse dia eu perco o domínio do meu corpo. Só que dessa vez..., gostei.
Eu já sabia (de história, ou de documentários) que soldados americanos mantêm consigo Morfina para alívio de dor, caso necessário. Sabia sobre caso de vício. Mas não sabia quanto ao efeito, nunca os tinha vivido.
Caramba! Como por encanto as dores foram cessando.
Do jeito que eu estava (deitado de barriga para cima), meu corpo deixava de ser meu, uma leveza misturada com um não controle do meu próprio corpo. A cabeça era a parte mais pesada (não consegui movê-la, mesmo se eu quisesse), o corpo... que corpo? Só um flutuar. Só um flutuar.
Que sensação!!!
Não quero, não é a intenção, fazer apologia, não.
Particularmente, prefiro, muitssimamente, a minha cerveja. Muito mesmo. Mas, foi muito interessante não mais sofrer e, ao mesmo, tempo viajar.
Uma dúvida me ocorria quanto aos soldados americanos: Que controle eles teriam, de si mesmos, caso tivessem de se alto-aplicar aquela droga em combate? Teriam condições de continuar a lutar, ou tentar fugir, depois daquilo?
Não creio. Não acredito que alguém consiga qualquer intento senão viajar. Não acredito mesmo.
A dor persistia. O enfermeiro perguntou-me, novamente, quanto a dor.
Eu respondi perguntando:
- Pode mais um pouco?
Ele me olhou desconfiado (rsrs).
Aplicou.
Só mais um pouco.
Num misto de felicidade e alívio, agradeci. Agradeci e elogiei-o por sua humanidade, por não ter me deixado sofrendo.
Fiquei, realmente, grato.
Grato e feliz. (rsrs)
Ao contrário da outra droga de pouco antes (a anestesia), essa não me apagou. Eu estava consciente (apesar de isso não dizer nadica de nada)
De que adianta consciência sem vontade (vontade? O que é isso mesmo? (rsrs) De que adianta consciência sem controle?) Controle para que mesmo? Queria nada disso, não. Não mesmo. (rsrs)
Quanto à anestesia, lembro de um sono, de um túnel escuro e de uma luz branca antes de acordar. Não acho que fosse a luz branca das experiências de quase morte que já ouvi falar, de onde pessoas dizem ter visto pessoas, dizem ter sentido paz. Não foi isso.
Foi mais como um ponto branco a separar a jornada escura e o meu despertar. Só vi uma mancha branca antes de despertar. Antes disso só o breu, a escuridão, um sono escuro num misto de consciente desacordado. Um sono diferente, muito diferente do sono normal.
Quanto à Morfina..., uma viagem.
Enquanto aguardava maior recuperação para poder ir para o quarto, fiquei deitado de barriga pra cima. O mundo agora era outro sem agonia, sem correria, sem dor.  Parecia flutuar.
Mas, o que mais me chamou a atenção foi a sensação nos meus olhos e em minha mente.
A mente estava zen. Zen de tudo, não queria nada, nem um mínimo de esforço que fosse (se quer mover o pescoço, cabeça). Nada.
Já os olhos... Foi demais.
Por baixo das pálpebras fechadas haviam dois céus lilás sem estrelas. Meus olhos, cabeça deitada com olhos para cima, meus olhos miram os céus como que olhando através de binóculos, deles saem arcos de fogo vindos de dentro da retina, passando pelo binóculos, seguindo para o infinito a diminuírem de tamanho enquanto se perdem pelos céus. Pensa numa sensação de paz, de bem estar. Uma sensação interessante.
O fato é que agora eu estava confortável, preparado para encarar o pós-cirúrgico.
Em outros tempos, sem o devido respeito, sem o devido remédio, ou tratamento, por assim dizer, eu sofri dores terríveis quando do transporte do centro cirúrgico para o quarto, mas, dessa vez, a partir desse momento de alívio, não. Foi muito diferente. Ainda bem.
Em outros tempos até o relevo do piso, por mais perfeito que fosse, me causavam dores horríveis. Desta vez, ainda bem, foi bem diferente.
Cheguei ao quarto depois de percalços mil (tirados de letra). Pra minha sorte respeitaram minha vontade de não querer sentir dor, deram-me mais analgésicos durante a noite e venci, com relativo conforto, mais essa etapa de minha vida. Espero que quando eu tiver de passar por isso de novo (terei de fazer novas cirurgias), espero ser tratado, pelo menos, mais ou menos, do mesmo jeito. Gosto de sentir dor não. Na medida do meu possível, espero senti-la o mínimo possível, se tiver de senti-la.
Achei-me muito respeitado em minha vontade, na vontade de outros em querer o meu bem. Foi muito bom e senti-me muito agradecido a Deus por tudo, por todo o respeito que me tiveram.
Um respeito que pensei ser bom para qualquer um, a quem eu desejo que tenha, a qualquer um do mundo caso necessite. Muito legal.
Felicidade maior seria saber que todos temos, ou teremos, tal tratamento. Espero, muito mesmo, que essa se torne, cada vez mais, uma realidade a todos nós.
Isso foi ontem.
Hoje tive alta.
Sinto dores, mas, estou em repouso. Espero superar mais essa logo e logo poder voltar à rotina normal.
Tudo mexe.
Hoje, antes da alta, eu estava baqueadão, depois de ter ficado deitado o tempo todo, com a mão esquerda aberta o tempo todo por causa do que eles chamam de acesso, também estranhei o Sol. Estranhei o dia, a luz, o andar. Incrível.
Pouco tempo, mas, a gente se modifica, o corpo se modifica, nossa visão (forma de como vemos – não somente os olhos) se modifica.
Com tudo isso que falei, apenas tentei mostrar realidades, formas de ver ou não, vida que vivida por cada um em qualquer lugar, de qualquer jeito, apenas há de ser a mais bem vivida possível. Que enxerguemos o nosso melhor e o melhor pra nós.
E que sejamos cada vez mais felizes, independente do mundo que estejamos.
Sempre.

Com carinho.
Jeff

http://letras.mus.br/fagner/255575/ (Oração de São Francisco – Fagner) 

4 comentários:

  1. Nossa Je que sofrimento,que dia foi a cirurgia´
    lu

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    Respostas
    1. rsrs. Infelizmente, não é a primeira e nem a última (3a. só desse ano e ainda mais duas até o final do ano). É só uma história, tá? (rsrs). Só quis deixar registrada essa experiência, mostrar um pouco algo que conheço e que, de repente, alguém não conheça, só mesmo um compartilhar. Acho que, ao final, só mesmo a vontade de que ninguém sofra e se, por acaso, tiver de passar por algo semelhante, já ficar esperto(a) e não deixar só lhe fazerem conforme quiserem. Muito obrigado, linda, por seu comentários. Como sempre você sempre atenciosa. Um beijo. Jeff

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  2. que bom que está bem.vc é forte e Deus estará sempre com vc.
    vai vencer tudo isso .
    fica bem .

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  3. rsrs. Que bom que estou bem? É só uma história, linda. Vencer tudo... é o que se quer, né? Até quando Deus quiser. Obrigado por seus votos, por suas palavras. Tudo de bom pra você e os seus. Sempre. Bj. Jeff

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